sábado, 14 de agosto de 2010

shigelose

1. DEFINIÇÃO

A shigelose é uma infecção bacteriana aguda paleomórfica causada pelo gênero Shigella que resulta em colite, afetando principalmente o sigmóide e o reto. “Disenteria bacilar” é sinônimo de shigelose. A doença, caracterizada por diarréia, disenteria, febre, dor abdominal e tenesmo, geralmente se limita a alguns dias. O tratamento imediato com drogas antimicrobianas acelera o processo de recuperação do paciente. Pode existir as formas assintomáticas ou sub-clínicas, ou formas graves e tóxicas. O reservatório do agente é no trato gastrointestinal do homem, na água e alimentos contaminados.


2. ETILOGIA

A Shigella é um bacilo gram-negativo imóvel que pertence a família Enterobactéria. Quatro espécies de Shigella são reconhecidas com base em propriedades antigênicas e bioquímicas:
Shigella dysenteriae (grupo A);
Shigella. flexneri (grupo B);
Shigella. boydii (grupo C);
Shigella sonnei (grupo D)

Entre essas espécies existem animais de 40 sorotipos, designado pelo nome da espécie, seguido de um número arábico. A S. dysenteriae 1 é chamada de “bacilo de Shiga”, provocando epidemias com índice de mortalidade mais alto do que o de outros sorotipos e pode causar pandemias catastróficas. Com exceção da S. flexneri 6, elas não fermentam lactose.
Os sorotipos são determinados pela cadeia lateral polissacarídica O do lipopolissacarídeo (endotoxina) na parede celular. A endotoxina é detectável no sangue de pacientes gravemente doentes e pode ser responsável pela complicação da síndrome hemolítico-urêmica. Para ser virulenta, a Shigella precisa invadir as células epiteliais, como foi testado em laboratório pela ceratoconjuntivite em porquinhos-da-índia (teste Sereny) ou pela invasão celular HeLa. A invasão bacteriana das células é determinada geneticamente por três regiões cromossômicas e um plasmídio 140-Md. A toxina de Shiga é produzida pela S.dysenteriae 1 e em quantidade menores por outros sorotipos. Ela inibe a síntese protéica e possui atividade enterotóxica em modelos animais, mas seu papel na doença no homem é incerto. Muitas outras toxinas foram descritas para diferentes espécies de Shigella (por exemplo, ShET1 e ShET2, enterotoxinas responsáveis por diarréia aquosa em algumas infecções por Shigella).

3. INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA

Nos Estado Unidos, houve mais de 14.000 casos relatados em 1996, com a seguinte distribuição das espécies: 73% S. sonnei, 19% S.flexneri, 2% S. boydii e 1% S. dysenteriae. Além disso, a incidência de shigelose vem aumentando. Por exemplo, ela cresceu de 5,4 para mais de 10 casos por 100.000 nos Estados Unidos de 1960 a 1988. A maior parte dos casos ocorreu em crianças pequenas, mulheres em idade fértil e minorias de baixa renda; e uma grande proporção ocorreu em grupos de pessoas internadas em casas para doentes mentais ou em creches.
No âmbito mundial, a maioria dos casos de shigelose ocorre em crianças de países em desenvolvimento, onde a S. flexneri é a espécie predominante. Em 1994, uma epidemia em refugiados ruandeses provocou cerca de 30000 mortes. O Institute of Medicine calcula que 250 milhões de casos de shigelose ocorram anualmente, com 650.000 mortes em todo mundo.

4. EPIDEMIOLOGIA

A espécie S.sonnei constitui a causa mais comum de shigelose no mundo industrial, enquanto a S.flexneri é a mais comum nos países subdesenvolvidos. A shigelose é transmitida pela via oral-fecal. Grandes aglomerações populacionais, baixos padrões de higiene pessoal, abastecimento de água precário e sistema de esgoto inadequado aumentam o risco de infecção. A transmissão, na maior parte das vezes, dá-se no contato interpessoal próximo, através de mãos contaminadas. Durante a doença clínica e por até seis semanas após a recuperação, bactérias são excretadas nas fezes. Apesar de os organismos serem sensíveis ao ressecamento, eles eventualmente são veículos de transmissão. Hospitais-dia, quartéis militares e abrigos para moradores de rua são locais de alto risco para a shigelose.
Crianças de 1 a 4 anos de idade apresentam maiores risco de desenvolver a doença. Habitantes de instituições de custódia, como casa para crianças com deficiência mental, são os que correm mais risco. A disseminação intrafamiliar normalmente ocorre quando o caso inicial dá-se em uma criança em idade pré-escolar. Em adultos jovens, a incidência é mais alta em mulheres do que em homens, o que provavelmente reflete o contato mais próximo da mulher com a criança. A população de homossexuais do sexo masculino nos Estados Unidos constitui um grupo de alto risco para a shigelose, correspondendo a uma das causa da “síndrome intestinal gay”.
Humanos e primatas mais elevados são os únicos reservatórios naturais da shigelose conhecidos. A transmissão apresenta padrões sazonais variáveis em regiões diferentes. Nos Estado Unidos, o pico de incidência acontece no final do verão e começo do outono.

5. PATOGÊNESE E PATOLOGIA

Como os microrganismos são relativamente resistentes ao ácido, a Shigella passa a barreira gástrica de forma mais imediata do que outros patógenos entéricos. Em estudos com voluntários, a ingestão de poucos bacilos, como de 10 a 200, regularmente inicia a doença em 25% dos adultos saudáveis. Estes números contrastam acentuadamente com a quantidade muito maior de bacilos tifóide e da cólera necessária para produzir a doença em indivíduos normais. Durante o período de incubação (normalmente de 12 a 72 horas), as bactérias atravessam o intestino delgado, penetram as células epiteliais do cólon e se multiplicam intracelularmente, geralmente atravessando a superfície basolateral das células epiteliais do intestino. Segue uma resposta inflamatória aguda na mucosa do cólon, acompanhada por sintomas prodrômicos. Células epiteliais contendo bactérias são lisadas, resultando em ulcerações superficiais e excreção de Shigella nas fezes. A morte da célula resulta do bloqueio da respiração celular. A mucosa é friável e coberta por uma camada de leucócitos polimorfonucleares. Amostras de biópsia apresentam úlceras e abscessos de cripta. Inicialmente, a inflamação fica confinada ao reto e ao sigmóide, mas, decorrendo cerca de 4 dias, a doença pode avançar e atingir o cólon proximal e, eventualmente, até o íleo terminal; um tipo de colite pseudomembranosa pode se desenvolver. Os níveis de citocinas pró-inflamatórias são elevados nas fezes e no plasma e refletem a gravidade da doença. O prejuízo à absorção de água e eletrólitos pelo cólon inflamado resulta em diarréia.
Apesar da doença nos cólons ser superficial, ocasionalmente ocorre bacteremia, especialmente em infecções da S.dysenteriae 1. A suscetibilidade dos microorganismos à bacteriólise sérica mediada pelo sistema complemento pode explicar a baixa freqüência de bacteremia e de infecção disseminada. A perfuração do cólon é uma complicação rara durante o megacólon tóxico. Crianças com colite grave provocada pela S.dysenteriae 1 tendem a desenvolver a síndrome hemolítico-urêmica. Nesta complicação, trombos de fibrina que são depositados nos glomérulos renais, provocando necrose cortical e fragmentação das hemácias.

EVOLUÇÃO DAS SÍNDROMES CLÍNICAS NA SHIGELOSE


Estágio
Tempo de aparecimento a partir do início da doença
Sintomas e sinais
Patologia
Pódromo
Primeiros
Febre, calafrios, mialgias, anorexia, náuseas e vômitos
Nenhuma ou colite precoce
Diarréia inespecífica
0 - 3 dias
Cólicas, fezes pastosas, diarréia aquosa
Colite do reto e sigmóide com ulceração superficial, leucócitos fecais
Disenteria
1 – 8 dias
Evacuação freqüente de sangue e muco, tenesmo, prolapso retal, dor à palpação abdominal
Colite estendendo-se eventualmente até o cólon proximal, abscessos de cripta, inflamação na lâmina própria
Complicações
3 – 10 dias
Desidratação, convulsões, septicemia, reação leucemóide, síndrome hemolítico-urêmica, obstrução intestinal, peritonite
Colite grava, ileíte terminal, endotoxemia, coagulação intravascular, megacólon tóxico, perfuração colônica
Síndromes pós-disentéricas
1 -3 semanas
Artrite, síndrome de Reiter
Inflamação reativa no haplótipo HLA-B27
Tabela 5.1



Figuara5.1: Patogênese da Shigella





6. MANIFESTAÇÔES CLÍNICAS

A maior parte dos pacientes com shigelose abre o quadro com pódromos inespecíficos. A temperatura varia e crianças podem ter convulsões febris. Os sintomas intestinais iniciais logo aparecem como cólica, fezes pastosas e diarréia aquosa, que geralmente precedem o surgimento de disenteria em um ou mais dias. A eliminação fecal média é de cerca de 600g/dia em adultos. A disenteria é constituída por restos alimentares, pequenos coágulos de sangue vermelho-vivo e muco nas fezes, que são pouco volumosas. A freqüência de evacuações chega a ser de 20 a 40 vezes por dia, com dor retal lancinante tenesmo durante a defecação. Alguns pacientes desenvolvem prolapso retal durante grandes esforços. A quantidade de sangue nas fezes varia bastante, mas normalmente é pequena em função de as ulcerações colônicas serem superficiais. Muitas vezes, há forte dor à palpação do abdome, na fossa ilíaca esquerda, acima do cólon sigmóide; a dor pode também se generalizar. A febre normalmente diminui depois de alguns dias de disenteria, de modo que a diarréia sanguinolenta afebril pode apresentar-se como um quadro clínico possível. Depois de 1 a 2 semanas de doença não tratada, ocorre melhora espontânea na maioria dos pacientes. Alguns pacientes com doença branda desenvolvem somente diarréia aquosa sem disenteria.
Entre as possíveis complicações está a desidratação, que pode ser fatal, especialmente em crianças e idosos. A septicemia por Shigella acontece principalmente em crianças desnutridas com infecção por S. dysenteriae 1. Há relatos raros de meningite, artrite e osteomielite devido a esse microrganismo. Eventualmente desenvolve-se uma reação leucemóide ou uma síndrome hemolítico-urêmica em crianças, após o início do tratamento antibiótico e quando a disenteria já apresenta melhora. As manifestações neurológicas podem ser notáveis e incluir delírio, convulsões (em um relato recente, 10% das crianças hospitalizadas apresentavam essa manifestação), e rigidez de nuca.
As síndromes pós-disentéricas mais importantes são a artrite e a tríade de Reiter com artrite, uretrite e conjuntivite. Esses são fenômenos não-supurativos que ocorrem na ausência de organismos viáveis de Shigella de 1 a 3 semanas da solução da disenteria.

7. DIAGNÓSTICO

Deve-se pensar em shigelose em todo paciente com início agudo de febre e diarréia. O exame das fezes é essencial. O sangue e o pus são macroscopicamente visíveis na disenteria bacilar grave; mesmo nas formas mais leves da doença, o exame microscópico das fezes revela, com freqüência, numerosos leucócitos e eritrócitos. O exame fecal dos leucócitos deve ser efetuado com uma porção de fezes líquidas, contendo de preferência muco. Coloca-se uma gota de fezes sobre uma lâmina de microscópio, sendo essa gota misturada minuciosamente com duas gotas de azul de metileno e recoberta com lamínula. A presença de numerosos leucócitos PMN ajuda a distinguir a shigelose das síndromes diarréicas causadas por vírus e bactérias enterotoxigênicas. O exame fecal dos leucócitos não é útil para diferenciar shigelose das doenças diarréicas causadas por outros patógenos entéricos invasivos. A disenteria amebiana é excluída pela ausência de trofozoítas no exame microscópico das fezes frescas sob lamínula. Portanto o diagnóstico diferencial deve ser feito com gastroenterites virais e salmonelose. A retossigmoidoscopia revela eritema difuso com uma camada mucopurulenta e áreas friáveis de mucosa com úlceras superficiais de 3 a 7 mm de diâmetro.
O diagnóstico definitivo depende do isolamento das shigelas em meios de cultura seletivos. Um swab retal, um swab de úlcera colônica obtido por exame retossigmoidoscópico ou uma amostra de fezes recém-eliminadas devem ser inoculados imediatamente em placas de cultura ou no meio de transporte. Como as taxas de isolamento das shigelas a partir de fezes recém-eliminadas dos pacientes com shigelose podem ser baixas (apenas 67%), recomenda-se a coleta de material para cultura durante três dias sucessivos.Os meios de cultura apropriados são o sangue, desoxicolato e ágar Salmonela-Shigella. As colônias selecionadas devem ser diagnosticadas por aglutinação com anti-soro polivalentes para a Shigella.
O diagnóstico bacteriológico definitivo torna-se fundamental para distinguir os casos mais graves e prolongados da shigelose da colite ulcerativa, com a qual podem ser confundidos tanto clinicamente quanto na retossigmoidoscopia. Os pacientes com shigelose são submetidos à colectomia devido a um diagnóstico incorreto de colite ulcerativa. A obtenção de uma cultura positiva deve evitar esse infortúnio.

8. TRATAMENTO

Quando a terapia antimicrobiana apropriada é administrada precocemente, diminui a duração dos sintomas em 50%, bem como a eliminação, excreção das Shigellas. Devido à grande resistência antimicrobiana mediada pelos plasmídeos em infecções causadas pela Shigella, a vigilância quanto à suscetibilidade aos fármacos numa determinada área endêmica é importante. Para adultos, quando se desconhece a suscetibilidade da cepa: Ciprofloxacina 500mg V.O. 2x/dia durante cinco dias, ou 1 g em dose única constitui o tratamento indicado quando a suscetibilidade da cepa é desconhecida.
Para crianças: TMP-SMX, ampicilina ou azitromicina, de acordo com a suscetibilidade do patógeno numa determinada localização.
As perdas de líquido devido à diarréia devem ser tratados com hidratação e reposição de eletrólitos por via IV ou oral com volume adequado.
Não se deve prescrever agentes que diminuam a motilidade intestinal. Difenoxilato e elixir paregórico podem exacerbar os sintomas por retardar a eliminação intestinal do microorganismo.
Não há evidências convincentes de que as preparações com pectina ou bismuto sejam úteis.

9. PROGNÓSTICO

A taxa de mortalidade de Shigelose não tratada depende da cepa infecciosa e varia de 10-30% em determinados surtos causados pelo S. dysenteriae 1, a menos de 1% nas infecções pelo S. sonnei. Mesmo na infecção provocada pela S. dysenteriae, as taxas de mortalidade deverão aproximar-se de zero se a reposição apropriada de líquidos e a terapia antimicrobiana forem iniciados precocemente. Em cerca de 2% dos pacientes, ocorrem artrite ou Síndrome de Reiter algumas semanas ou meses após a recuperação da shigelose.
As complicações neurológicas (convulsão, meningismo, encefalopatias, letargia, alucinações, cefaléia, confusão mental, etc.) constituem as manifestações extra-intestinais mais freqüentes da shigelose, ocorrendo mais em crianças que em adultos. Pode existir outras complicações, tais como, sepse, peritonite secundária à perfuração intestinal, insuficiência renal aguda, síndrome hemolítica urêmica, hemorragia digestiva, pneumonia, conjuntivite, uveíte, prolapso retal, osteomielite.
Progressão e Sintomas
O período de incubação é de doze a cinqüenta horas.
A ingestão das bactérias leva à invasão da mucosa do intestino e sua extensa destruição (necrose) devido à invasão e à produção de shiga-toxina. A destruição severa das células da mucosa (os enterócitos), leva à perda da capacidade de absorção de água, e à hemorragia dos vasos locais, com perda adicional de muco acentuada após destruição das células caliciformes. O resultado é a diarréia sanguinolenta e mucóide abundante, denominada disenteria.
Sintomas iniciais são devidos à perda da capacidade de absorção de água, com diarréia aquosa. Mais tarde a necrose leva à disenteria, diarréia com sangue semi-digerido, pus e muco, acompanhada de febre, dores intestinais e dor ao evacuar as fezes (tenesmo). A extensão da hemorragia e o risco de peritonite são as principais complicações, assim como a desidratação excessiva.
Ao contrário de outras intoxicações alimentares e da salmonelose (que causa diarréia não sanguinolenta), a disenteria exige tratamento médico, porque sem ele a mortalidade é de 10% com algumas estirpes mais virulentas.
febre;
dor abdominal;
Vontade constante de evacuar, podendo evacuar mais de 8 vezes no dia;
diarréia aquosa (fezes líquidas esverdeadas com pedaços de muco e, às vezes, sangue);
náuseas e vômitos;
dor de cabeça;
convulsões nas crianças;

10. PREVENÇÃO

Os indivíduos contaminados devem ser excluídos de todas as fases de manuseio do alimento até a obtenção de culturas negativas a partir de três amostras sucessivas de fezes colhidas após o término da terapia antimicrobiana. Nos surtos é obrigatório o isolamento precoce e estrito dos indivíduos. A quimioprofilaxia antimicrobiana específica não é satisfatória. Medidas de controle importantes:
Lavagem das mãos com água e sabão para manuseio de alimentos, assim como quando há manuseio de fraldas;
Destino adequado de lixo e dejetos;
Educação para população em áreas de elevada incidência;
Locais de uso coletivo, tais como colégios, creches, hospitais, penitenciárias, que podem apresentar riscos maximizados quando as condições sanitárias não são adequadas, devem ser alvo de orientações e campanhas específicas.
Ocorrências em crianças de creches devem ser seguidas de isolamento entérico, além de reforçadas as orientações às manipuladoras de alimentos e às mães.
Considerando a importância das causas alimentares na diarréia das crianças menores, é fundamental o incentivo ao prolongamento do tempo de aleitamento materno, prática essa que confere elevada proteção a esse grupo populacional;
Boa higiene e evitar alimentos e água contaminados.

O relato de caso para as autoridades sanitárias deve ser obrigatório.
Vacinas não estão disponíveis até o momento, porém existe em fase de teste uma vacina com extrato atenuado de LPS de S.sonnei conjugada a Pseudomonas aeruginosa, cujos testes têm obtidos excelentes resultados.

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